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Cinco teses sobre a situação no Nepal

  • Writer: The Left Chapter
    The Left Chapter
  • Sep 17
  • 8 min read

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A protest rally in Kathmandu in early September -- image via X


By Vijay Prashad and Atul Chandra


Se sua casa não estiver limpa, as formigas entrarão pela porta e atrairão as cobras.


A crise no Nepal se intensificou no início de setembro, levando à queda do governo de centro-direita do primeiro-ministro KP Oli. O estopim imediato foi a regulamentação e a proibição das redes sociais no país, em 4 de setembro. Os protestos contra essa medida foram recebidos com tiros da polícia, resultando na morte de 19 manifestantes. A repressão se desdobrou em grandes manifestações, levando a ataques às casas de políticos e ao prédio do parlamento nacional, bem como ao prédio presidencial.


Várias interpretações circulam sobre a atual convulsão no Nepal, mas duas se destacam:


Falha sistêmica da governança: anos de promessas não cumpridas, corrupção e alianças oportunistas produziram uma crise de legitimidade não para este ou aquele partido, mas para o establishment como um todo. A atual revolta é explicada como uma reação popular à negligência acumulada.


Tese da Revolução Colorida: que os protestos são orquestrados por uma força externa, com a maioria dos dedos apontando para os Estados Unidos e para o financiamento do National Endowment for Democracy (NED) do Congresso dos EUA para a ONG Hami Nepal (fundada em 2015).


Ambas as teorias facilitam que as partes interessadas dentro do Nepal desviem da responsabilidade – seja apontando para interferências estrangeiras ou para uma vaga ideia sobre a “classe política”. Não há discussão, nessas análises, sobre a ordem burguesa subjacente e seus problemas no Nepal: uma economia clientelista com mais de um século, o controle da terra, das finanças e dos contratos governamentais nas mãos de um oligopólio com laços estreitos com a monarquia e um paradigma de crescimento dependente da exportação de trabalhadores migrantes e do desenvolvimento de infraestrutura financiado por dívidas. As fontes estruturais das queixas do povo são simplificadas em conceitos simplistas, mas evocativos, como “corrupção” e “revolução colorida”.


Nenhuma dessas teorias está totalmente incorreta ou correta, mas são apenas parciais, e sua parcialidade pode ser muito enganosa. Este artigo não pode, por si só, corrigir essa parcialidade, mas espera oferecer algumas ideias para discussão. As cinco teses abaixo têm como objetivo apenas enquadrar o debate, que esperamos que seja realizado não apenas sobre a situação do Nepal, mas também sobre a de muitos países do Sul Global.


Má gestão das oportunidades


Após a promulgação da nova Constituição no Nepal em 2015, havia uma grande expectativa de que a esquerda fosse capaz de melhorar a situação social dos nepaleses. Assim, em 2017, os vários partidos comunistas do país conquistaram 75% dos assentos no parlamento nacional. No ano seguinte, os maiores partidos comunistas se uniram para formar o Partido Comunista do Nepal – embora a unidade não fosse muito profunda, pois os partidos tinham suas próprias estruturas e programas e não conseguiram formar uma organização verdadeiramente unificada, e sim fundamentalmente um bloco eleitoral unificado. A falta de um programa comum para a atividade política comunista e de uma agenda comum para resolver os problemas do povo por meio do instrumento do Estado levou à dissipação da oportunidade oferecida à esquerda.


O partido unificado se dividiu em 2021 e, desde então, os vários partidos de esquerda se alternaram no poder, o que as massas populares viram como individualismo e oportunismo. Quando o ministro do Interior Narayan Kaji Shrestha (2023-2024), do Centro Maoísta, tentou usar os instrumentos do Estado para investigar práticas corruptas – mesmo em seu próprio partido –, ele foi expulso do cargo.


Desde 2024, o governo do Nepal incluiu uma fração direitista da esquerda (liderada por K. P. Oli) e uma fração da direita (o Congresso Nepalês), o que o tornou um governo de centro-direita. A longa luta pela democracia que começou com a Revolução de 1951, se aprofundou com o Jana Andolan (Movimento Popular) de 1990 e parecia ter se consolidado com o Loktantra Andolan (Revolução Nepalesa) de 2006, apenas parece ter sido derrotada, mas na verdade essa longa luta reaparecerá de outra forma.


Fracasso em resolver os problemas básicos do povo


Os problemas no Nepal em 2015, quando a nova Constituição foi adotada, eram graves. Um grande terremoto em Gorkha devastou a província, deixando mais de 10 mil mortos e centenas de milhares de desabrigados. Pelo menos um quarto dos nepaleses vivia abaixo da linha da pobreza. A discriminação de casta e étnica criavam um grande sentimento de desespero. A região de Madhesh, ao longo da fronteira entre o Nepal e a Índia, ficou particularmente indignada com o sentimento de desfavorecimento e, em seguida, com a análise de que seria ainda mais marginalizada pela Constituição de 2015. Fracos serviços de saúde pública e educação – subfinanciados há um século – não conseguiam atender às aspirações da classe média emergente.


Os governos de esquerda apresentaram várias políticas para enfrentar algumas dessas questões, tirando grande parte da população da pobreza (a pobreza infantil passou de 36% em 2015 para 15% em 2025) e do abandono infraestrutural (o acesso à eletricidade agora é de 99% e houve uma melhora registrada no Índice de Desenvolvimento Humano).


No entanto, continua a existir uma enorme discrepância entre as expectativas e a realidade, com taxas de desigualdade que não diminuem com a rapidez necessária e níveis de migração alarmantemente elevados. Os níveis de corrupção também continuaram demasiado elevados no país, com a deterioração da percepção da corrupção (classificada em 107 numa escala de 180 em 2024). A corrupção, a desigualdade e a inflação não puderam ser contidas pelo governo, que fez acordos muito ruins para o comércio e as finanças (o retorno à Facilidade de Crédito Estendida do FMI reduziu suas possibilidades fiscais).


A tendência de buscar refúgio na ideia da monarquia hindu


A pequena burguesia nepalesa, que envia seus filhos para escolas de ensino médio em inglês e muitas vezes vem de castas hindus oprimidas ou “atrasadas”, está frustrada com o domínio contínuo das castas superiores e inspirada pela política da pequena burguesia de direita Hindutva de Uttar Pradesh, na Índia, um dos estados que faz fronteira com o Nepal.


É por isso que, nos protestos, havia muitos cartazes de Yogi Adityanath, líder do partido de direita Bharatiya Janata Party (BJP) da Índia e líder do governo de Uttar Pradesh. Essa fração da população também está disposta a “retornar” à monarquia, uma monarquia hindu. Várias forças políticas apoiam essas tendências, como o partido pró-monarquia (Partido Rashtriya Prajatantra ou RPP) e seus aliados mais amplos (Comitê Conjunto do Movimento Popular – formado em março de 2025 como parte dos protestos pelo retorno à monarquia, Shiv Sena Nepal, Vishwa Hindu Mahasabha).


Desde a década de 1990, o Hindu Swayamsevak Sangh (HSS), afiliado internacional à organização indiana RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh – Associação Nacional de Voluntários), vem discretamente formando shakhas (grupos) e quadros. O HSS – juntamente com um grupo tentacular de organizações como o Shiv Sena e o RPP – tem feito campanha contra políticas seculares e pelo retorno ao Raj (reinado) hindu. Mais que simplesmente atacar o secularismo, o bloco Hindutva tem focado sua atenção no que considera uma porta giratória de elites em Katmandu, que detêm o poder desde que a monarquia foi abolida em 2008. Eles estruturam sua retórica civilizacional em torno do combate à corrupção e da caridade, com mobilizações por meio de festivais hindus e influenciadores online, bem como ações seletivas de aproximação com castas marginalizadas e oprimidas em nome da unidade hindu. Este bloco, poderosamente organizado, ao contrário da juventude, tem a capacidade de tomar o poder e restaurar a ordem em nome do Estado hindu e da monarquia, trazendo de volta o autoritarismo em nome do combate à corrupção.


Cansaço com a válvula de escape da migração


Se ignorarmos países pequenos como Montserrat e São Cristóvão e Nevis, o Nepal é o país com a maior taxa per capita de migração por motivos de trabalho. Com uma população de 31 milhões, há atualmente 534.500 nepaleses (registrados) que trabalham no exterior – 17,2 pessoas por cada 1.000 nepaleses. Os números aumentaram nos últimos anos. Em 2000, o número registrado de nepaleses que obtiveram permissões de trabalho no exterior era de 55.000, agora é dez vezes maior. Houve um novo recorde em 2022-23, com 771.327 permissões emitidas.


Grande parte dos jovens está insatisfeita por não ter conseguido atender às suas necessidades de emprego no Nepal, sendo forçada a migrar e, muitas vezes, a aceitar empregos precários. Um incidente grave ocorreu em fevereiro de 2025 em Yeongam (Coreia do Sul), quando um migrante de 28 anos, Tulsi Pun Magar, provavelmente cometeu suicídio porque o empregador da fazenda de suínos onde trabalhava continuava reduzindo seu salário. Tulsi era da comunidade Gurkha em Pokhara. Após seu suicídio, surgiram relatos de que 85 nepaleses morreram na Coreia do Sul nos últimos cinco anos, metade deles por suicídio. Notícias como essas aumentaram a frustração e a indignação com o governo. Na internet, muitos compartilham da opinião de que o governo era mais atencioso com os investidores estrangeiros diretos do que com seus próprios migrantes, cujo investimento no Nepal por meio de remessas é muito maior do que qualquer capital estrangeiro.


As influências externas dos Estados Unidos e da Índia


O governo de centro-direita de KP Oli era próximo dos Estados Unidos. O Nepal aderiu à Millennium Challenge Corporation (MCC) do governo dos EUA em fevereiro de 2017, uma decisão tomada por um governo de esquerda que foi fortemente contestada por amplos setores da esquerda. Devido à pressão popular, o governo do Nepal se afastou da MCC, mas o governo de centro-direita de Oli recebeu John Wingle (vice-presidente adjunto da MCC) em Katmandu em agosto de 2025 para conversar sobre a retomada da ajuda dos EUA e discutir a continuação de projetos de infraestrutura. Enquanto isso, o governo de extrema direita da Índia, liderado por Narendra Modi, procurou promover o protagonismo do partido nacionalista hindu de extrema direita no Nepal, que até então havia permanecido à margem. Se houve alguma atividade externa nos protestos de 2025, é mais provável que a Índia, e não os EUA, tenha participado dos eventos. No entanto, mesmo aqui, é possível que a extrema direita no Nepal apenas aproveite o colapso do governo Oli e o enorme sentimento contra a corrupção.


É importante reconhecer que nenhuma casa ou escritório do RPP foi atacado, enquanto em março os quadros do RPP atacaram um escritório comunista – um prenúncio do que aconteceria em setembro.


O exército parece ter restabelecido alguma tranquilidade no Nepal. Mas essa é uma calma que é sinônimo de desordem e perigo. O que virá a seguir ainda está para ser visto. Levará tempo para a poeira baixar. O exército convidará uma das celebridades da internet para assumir o poder, como o prefeito de Katmandu, Balendra Shah? Os manifestantes sugeriram a nomeação de Sushila Karki, uma ex-presidente do Supremo Tribunal do Nepal (2016-2017) altamente respeitada, que construiu sua carreira sendo independente dos partidos políticos. Essas são escolhas provisórias. Elas não terão mandato para fazer mudanças significativas. Elas fingirão estar acima da política, mas isso apenas desiludirá as pessoas com a democracia e mergulhará o país em uma crise de longo prazo. Uma nova primeira-ministra não resolverá os problemas do Nepal.


Vijay Prashad é um historiador, editor e jornalista indiano. Ele é redator e correspondente-chefe da Globetrotter. É editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Instituto de Pesquisa Social. Ele escreveu mais de 20 livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seus livros mais recentes são On Cuba: Reflections on 70 Years of Revolution and Struggle (com Noam Chomsky), Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism e (também com Noam Chomsky) The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power.


Atul Chandra é pesquisador do Tricontinental: Instituto de Pesquisa Social. Suas áreas de interesse incluem geopolítica na Ásia, movimentos de esquerda e progressistas na região e lutas no Sul Global.


Este artigo foi produzido pela Globetrotter

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