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Muito barulho por nada: mais um Nobel para a guerra

  • Writer: The Left Chapter
    The Left Chapter
  • 6 hours ago
  • 5 min read

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By Biljana Vankovska


A enxurrada de reações indignadas — e justificadas — à escolha da laureada pelo Prêmio Nobel da Paz deste ano, María Corina Machado, revela menos sobre a decisão do comitê do que sobre o espírito de choque do público.


Como alguém ainda pode se surpreender quando uma figura que personifica tudo menos a paz recebe este prêmio? A história mostra que o Prêmio Nobel da Paz muitas vezes foi concedido a criminosos de guerra, oportunistas e figuras politicamente “convenientes” — homenageados não por sua coragem moral, mas por se alinharem à lógica geopolítica ocidental. Raramente um laureado despertou aplausos unânimes.


De memória recente, só consigo lembrar de um laureado genuinamente merecedor: os hibakusha, sobreviventes japoneses de Hiroshima e Nagasaki, que dedicaram suas vidas ao desarmamento nuclear. No entanto, mesmo esse reconhecimento veio tarde demais, um gesto simbólico para uma geração que está desaparecendo deste mundo, em um momento em que a ameaça de uma guerra nuclear se tornou palpável mais uma vez, graças à guerra por procuração na Ucrânia. Outra pessoa que merece todo o respeito é Lê Đức Thọ, por ter se recusado a aceitar o prêmio. Em muitos casos, aqueles que foram ignorados pelo Prêmio Nobel — o chamado “Clube dos Não Vencedores” — contribuíram muito mais para o avanço da humanidade do que os laureados, mas suas contribuições continuam sendo subestimadas; o prêmio, no entanto, não diminuiu de forma alguma seu papel na construção da civilização humana.


As decisões do Comitê Nobel têm sido amplamente analisadas e criticadas; fazer isso caso a caso significaria somente sujar as mãos com o sangue que mancha as biografias de muitos laureados.


Por exemplo, em 1918, o Prêmio Nobel de Química foi concedido a Fritz Haber, o “pai das armas químicas” na Primeira Guerra Mundial, que defendeu o uso de armas químicas durante sua vida. Precisamos mesmo lembrar de Milton Friedman ou Henry Kissinger? Mas o período pós-Guerra Fria deu início a uma nova prática, profundamente influenciada pelo espírito do “fim da história” de Fukuyama: o prêmio é cada vez mais concedido a indivíduos sem nenhuma conexão real com a paz. Em vez disso, ele celebra dissidentes de sistemas não ocidentais (convenientemente rotulados como “autoritários”), jornalistas, feministas, movimentos de oposição que buscam mudanças de regime, separatistas (como o Dalai Lama) ou mesmo fanáticos religiosos seduzidos pela glória da morte, como Madre Teresa.


Tomemos, por exemplo, Malala Yousafzai — a mais jovem laureada de todos os tempos — cuja tragédia pessoal nas mãos do Talibã se tornou uma justificativa moral conveniente para uma intervenção ilegal dos EUA no Afeganistão. Anos mais tarde, como uma mulher madura em Londres, Malala admitiu abertamente a dificuldade de encontrar sentido depois de ter sido transformada em ícone e privada de sua juventude e identidade para fins geopolíticos.


A União Europeia foi premiada por “conquistas passadas” — por integrar um continente devastado pela guerra —, mas seu papel em alimentar o colapso sangrento da Iugoslávia é frequentemente esquecido. Hoje, ela se torna cada vez mais militarizada e tolera tacitamente as atrocidades em Gaza. O próprio Barack Obama admitiu que não compreendeu totalmente por que foi homenageado, talvez por ser o primeiro afro-americano na Casa Branca.


Pouco depois, porém, ele deixou nações em ruínas, entre elas a Líbia, que ainda carrega as cicatrizes de seus atos.


A questão é simples: um comitê politicamente escolhido e opaco, mascarado como um órgão independente, usurpou a herança de Alfred Nobel. Eles a “modernizaram” para se adequar à ordem mundial neoliberal — que finge que prevalece a fraternidade entre as nações, que a desmilitarização está avançando e que os conflitos são resolvidos pacificamente.


Os critérios do próprio Nobel eram modestos, mas claros: o Prêmio da Paz deveria ser concedido àqueles que “tiveram o maior ou melhor desempenho em prol da fraternidade entre as nações, da abolição ou redução dos exércitos permanentes e da realização e promoção de congressos de paz”. A melhor análise já escrita sobre a má condução do prêmio Nobel e o mau uso dos fundos alocados é elaborada de forma transparente e eloquente por Frederik S. Heffermehl.


O Comitê, crucialmente, também tem o direito de não conceder o prêmio em um determinado ano. E talvez este seja um desses anos. O mundo voltou à mentalidade pré-Liga das Nações, quando travar uma guerra era visto como um direito soberano. A militarização atingiu proporções grotescas, e as guerras agora são travadas com drones, ataques cibernéticos e exércitos por procuração. Esta é uma era sombria — uma era de genocídio. Não há congressos de paz, a menos que se considere as reuniões humilhantes de vassalos leais, como a de Sharm el-Sheikh, onde os líderes bajularam Trump enquanto ele recebia medalhas e promessas de Estados ricos ansiosos por construir resorts sobre os corpos de crianças palestinas.


Alguns propuseram candidatos alternativos — Francesca Albanese, Greta Thunberg ou os jornalistas, médicos e civis palestinos que suportam o que só pode ser chamado de um novo Holocausto. No entanto, o Prêmio Nobel da Paz nunca teve a intenção de ser um consolo para as vítimas; ele existe para homenagear aqueles que ativamente impedem a guerra e o sofrimento. Concedê-lo em circunstâncias tão comprometedoras a qualquer pessoa de verdadeira estatura moral seria um insulto à sua coragem e integridade — é um prêmio indigno de seus princípios. A propósito, Francesca recebeu um prêmio alternativo da paz que lhe se adequa bem.


Depois de todos esses anos, a constatação fica mais clara: o Prêmio Nobel da Paz é uma das maiores farsas de nosso tempo. Seu prestígio perdura apenas por causa do desejo desesperado da humanidade pela paz — um desejo que nos cega para o fato de que a paz não é uma celebração de um dia, mas uma luta contínua. Em um mundo a apenas 90 segundos da meia-noite no Relógio do Juízo Final, o Prêmio da Paz é a coisa menos importante em que podemos desperdiçar nosso tempo e indignação.


Por trás de sua aura dourada estão cerca de um milhão de euros — dinheiro que supostamente vem dos “juros” da fortuna de Nobel. Mas a verdade é que essa fortuna, como todo capital, se reproduz através do capitalismo global — o mesmo sistema que alimenta a guerra, a desigualdade e a pobreza. Estamos, na verdade, presos em um mecanismo autossustentável projetado para preservar o status quo mundial.


Então, por que ficamos surpresos ou irritados que esta ou aquela pessoa tenha recebido o prêmio? Se o próprio Comitê Nobel é um clube de diplomatas, políticos e intelectuais obedientes, por que deveríamos confiar em seu julgamento em qualquer área — seja literatura ou ciência — em que os laureados quase sempre vêm do Ocidente ou são ideologicamente aceitáveis para ele?


Esqueçam o Nobel! O mundo não precisa de mais milionários famosos em nome da paz. O que precisamos é da própria paz — paz real, dolorosa, humana. Temos crianças soterradas sob escombros, mães famintas, gerações mutiladas e o cheiro da morte em nossos pulmões. Não é hora para champanhe, lágrimas falsas e palavras patéticas.


Biljana Vankovska é professora de ciências políticas e relações internacionais na Universidade Ss. Cyril and Methodius, em Skopje, membro da Transnational Foundation of Peace and Future Research (TFF) em Lund, Suécia, e a intelectual pública mais influente da Macedônia. Ela é membro do coletivo No Cold War.


Este artigo foi produzido pela Globetrotter.

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