Os EUA são os maiores impulsionadores da proliferação nuclear
- The Left Chapter
- Jul 29
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A história recente deixa claro que adquirir armas nucleares é a escolha mais racional para os Estados que buscam qualquer autonomia em relação aos EUA

Kim Jong Un in front of an ICBM -- photo released by the DPRK government in 2022
By Vijay Prashad
A bomba atômica foi a criação mais perigosa da humanidade; o fato do governo dos Estados Unidos ter usado a bomba atômica duas vezes contra civis japoneses em agosto de 1945 não pode ser perdoado nem esquecido. É significativo que um dos primeiros atos das Nações Unidas, em janeiro de 1946, tenha sido a criação de uma comissão para lidar com os “Problemas levantados pela descoberta da energia atômica”. No entanto, a resolução não proibiu as armas atômicas; simplesmente procurou estudar seus “problemas e consequências”. Mesmo após a horrenda demonstração em Hiroshima e Nagasaki, o governo dos Estados Unidos relutou em permitir a abolição das bombas nucleares. Uma vez abertas as portas do inferno, não havia desejo real de fechá-las.
A criação do primeiro grande tratado das Nações Unidas para lidar com as armas atômicas levou duas décadas. Mais importante ainda, o tratado não proibiu as armas nucleares. Embora impedisse a proliferação generalizada, permitiu, no entanto, que as potências nucleares da época – os Estados Unidos (1945), a União Soviética (1949), o Reino Unido (1952), a França (1960) e a China (1964) – mantivessem o seu arsenal nuclear. Quando o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) entrou em vigor em 1968, Israel provavelmente já possuía armas nucleares (1967). Posteriormente, apesar do TNP, a Índia (1974), o Paquistão (1998) e a Coreia do Norte (2006) desenvolveram e testaram armas nucleares. De todos esses países, apenas a Coreia do Norte foi pressionada pelos Estados Unidos e seus aliados a se desnuclearizar. Se ela se recusou, foi porque a desnuclearização levaria à sua aniquilação.
Esses fatos e dinâmicas confirmam que há apenas dois caminhos possíveis: a abolição universal das armas nucleares e a ameaça de aniquilação de países pelo imperialismo ou a inevitável proliferação de armas nucleares em todo o mundo.
O ataque ao Irã por Israel e os Estados Unidos
O ataque israelense e norte-americano às instalações de energia nuclear do Irã em junho deste ano foi ilegal; não houve nem uma resolução do Conselho de Segurança da ONU nem a aprovação do Congresso dos EUA. Esses dois aliados realizaram seu ataque em nome da não-proliferação nuclear. Bombardearam os locais de enriquecimento de energia nuclear do Irã e suas instalações de pesquisa para atrasar o programa de energia nuclear do país. Mas, na verdade, o ataque terá o efeito oposto. Do ponto de vista do Irã, os ataques de Israel e dos EUA tornam a aquisição de armas nucleares uma escolha racional e urgente.
Não há provas verificáveis de que o Irã esteja desenvolvendo uma arma nuclear. O país é membro do TNP desde o dia em que o tratado foi aberto para assinatura, em 1º de julho de 1968. Em 1996, o Irã assinou o Tratado de Proibição Total de Testes Nucleares, outra indicação de seu desinteresse pelo desenvolvimento de armas nucleares. Apesar da campanha de pressão sobre o Irã, o país tem cooperado com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) – de acordo com o direito e as normas internacionais –, para que suas instalações de energia nuclear sejam inspecionadas regularmente. Não há nenhum relatório de uma agência internacional que confirme que o Irã tenha um programa de armas nucleares. No máximo, em 2015, a AIEA sugeriu que o Irã havia demonstrado algum interesse em armas nucleares antes de 2003, mas “não avançou além da viabilidade e dos estudos científicos, e da aquisição de certas competências e capacidades técnicas relevantes”. No entanto, apesar da falta de provas, o Irã foi ilegalmente atacado sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU.
Após o ataque israelense ao Irã, o Parlamento iraniano votou pela suspensão de toda a cooperação com a AIEA. Grandes multidões se reuniram em todo o Irã para pedir ao seu governo que rejeitasse a pressão sobre o Irã e desenvolvesse uma bomba nuclear para proteger o país de tais guerras de agressão. Em outras palavras, o ritmo começou a se acelerar no Irã para que o país desenvolva rapidamente uma bomba e a teste abertamente como forma de conquistar imunidade contra uma guerra com fins de mudança de regime.
Lógica da proliferação
A grande mídia retrata os países que buscam armas nucleares como Estados delinqüentes que ameaçam a estabilidade global. Nessa narrativa, líderes autoritários buscam armas nucleares por uma obsessão incompreensível e vazia de autoengrandecimento, se tornando uma potência nuclear. No entanto, a história recente e a campanha bélica dos EUA deixam claro que adquirir armas nucleares é a escolha mais racional para os Estados que buscam qualquer autonomia em relação ao domínio dos EUA. Isso é demonstrado pela forma como a desnuclearização da Líbia foi seguida por sua destruição, enquanto a nuclearização da Coreia do Norte permitiu sua preservação.
Em 2003, o governo líbio anunciou que não iria mais prosseguir com seu programa de armas nucleares. A Líbia negociou com as potências ocidentais para não ser mais tratada como um “estado perverso”. Entre 2004 e 2006, a AIEA foi à Líbia e desmantelou por completo seu projeto de armas nucleares. Mas, apesar de abrir mão de seu escudo nuclear, Muammar al-Gaddafi, da Líbia, continuou se manifestando. Em 2009, ele foi à ONU e falou abertamente sobre uma conversa privada em que o chefe da AIEA, Mohamed el-Baradei, lhe disse que a AIEA não poderia inspecionar as “superpotências”. “Então, a AIEA só está nos inspecionando?”, perguntou Gaddafi. “Se for assim, não se qualifica como uma organização internacional, uma vez que é seletiva, tal como o Conselho de Segurança e o Tribunal Internacional de Justiça”. Dois anos mais tarde, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) excedeu o mandato do Conselho de Segurança da ONU da resolução 1973 (2011) para criar uma “zona de exclusão aérea” sobre a Líbia e destruiu o Estado líbio. A lição foi claríssima: se você desistir do seu programa de armas nucleares, é muito provável que será aniquilado.
Em 2006, após a guerra ilegal dos EUA que derrubou o governo do Iraque, o governo da Coreia do Norte testou uma arma nuclear – o único governo a fazê-lo no século XXI. Desde então, apesar da imensa pressão, existem inúmeras reticências quanto a uma derrubada aberta do governo de Pyongyang.
Para uma pessoa racional, o exemplo da Líbia e da Coreia do Norte traz uma mensagem evidente: desenvolver armas nucleares e os mísseis para lançá-las é o elemento dissuasor mais eficaz. Na verdade, cada etapa do desenvolvimento do programa nuclear da Coreia do Norte foi impulsionada pela morosidade dos EUA no processo de paz ou pelo não cumprimento das promessas de paz e segurança feitas ao país. Com efeito, o processo de duas vias da Coreia do Norte permitiu-lhe buscar sua segurança pela via diplomática, quando possível, e pela dissuasão nuclear, quando necessário.
Diante de crises existenciais, o mundo precisa mudar seu foco da guerra e da destruição para a cura do planeta e o cuidado com seus povos. Ele não pode ser arrastado para uma corrida armamentista. Portanto, a desnuclearização é fundamental. No entanto, sem as condições para a paz e o desarmamento, para alguns Estados, a proliferação nuclear pode ser uma questão de sobrevivência.
(*) Tradução de Raul Chiliani
Vijay Prashad é um historiador indiano, editor e jornalista. É redator e correspondente principal do Globetrotter. Também é editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research. Escreveu mais de vinte livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seus últimos livros lançados foram Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism e (com Noam Chomsky) The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power
Este artigo foi produzido pela Globetrotter e traduzido por Raul Chiliani
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