O ganho econômico global do genocídio dos palestinos
- The Left Chapter
- 4 days ago
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Relatório da ONU aponta que não só empresas israelenses, mas também multinacionais como Google, Amazon e Volvo, lucram com genocídio em Gaza.

IDF armor in northern Gaza, July 2025 -- image via IDF Spokesperson's Unit, Wikimedia Commons
By Ubai al-Aboudi and Vijay Prashad
No dia 16 de junho de 2025, a Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Situação dos Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados desde 1967, Francesca Albanese, publicou um novo relatório intitulado Da Economia da Ocupação à Economia do Genocídio. Com trinta e nove páginas, o relatório acusa várias grandes empresas multinacionais de lucrar com a ocupação e o genocídio dos palestinos. Entre as empresas implicadas estão nomes conhecidos: Amazon, Blackrock, Google, Lockheed Martin e Volvo. Cada uma dessas empresas, e muitas universidades (particularmente o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT), têm investimentos direcionados ao deslocamento dos palestinos e sua substituição por colonos israelenses. Albanese encerra seu relatório com pedidos razoáveis: que parem de lucrar com o genocídio e cortem laços com Israel.
No dia 9 de julho, o Departamento de Estado dos Estados Unidos sancionou Albanese por seu trabalho, o que impede seu acesso à suas propriedades nos Estados Unidos. O Departamento de Estado dos EUA alegou que “Albanese espalhou antissemitismo descarado, expressou apoio ao terrorismo e desprezo aberto pelos Estados Unidos, Israel e o Ocidente”. As Nações Unidas responderam dizendo que a imposição de sanções abre um “precedente perigoso”. “O uso de sanções unilaterais contra relatores especiais ou qualquer outro especialista ou funcionário da ONU é inaceitável”, disse o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric. Albanese não é a primeira pessoa a ser sancionada dessa forma. Em junho de 2025, os EUA sancionaram juízes do Tribunal Penal Internacional com base na mesma ordem executiva norte-americana.
A polêmica em torno das sanções dos EUA contra altos funcionários das Nações Unidas e suas instituições distrai as pessoas dos pontos fundamentais apresentados no relatório de Albanese e sua equipe. É quase como se o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, tivesse decidido usar a arma das sanções para torná-la o centro das atenções. Em muitos aspectos, Rubio conseguiu. O ponto central do relatório foi deixado de lado, pois a questão principal passou a ser se era aceitável ou não que os Estados Unidos sancionassem funcionários da ONU.
Genocídio nas nuvens
O relatório de Albanese indica que várias grandes empresas multinacionais estão envolvidas no lucro com o genocídio. Essas empresas são das seguintes áreas: construção, educação, finanças, prestação de serviços e produção de armas. Há nomes que eram de se esperar: os principais fabricantes de armas, como a Lockheed Martin. Uma lista completa dessas empresas de armas é mantida pelo American Friends Services Committee (AFSC). Vale a pena ler a seção do AFSC sobre a Amazon:
“A inteligência militar israelense usa servidores da AWS [Amazon Web Services] para armazenar grandes quantidades de informações de inteligência sobre quase todas as pessoas em Gaza. Desde 2021, a Amazon fornece serviços em nuvem ao governo israelense no âmbito do Projeto Nimbus, um contrato de 1,2 bilhão de dólares que divide com o Google. Ele fornece serviços em nuvem para todos os ramos do governo israelense, incluindo as forças armadas, a Agência de Segurança Israelense (Shabak/‘Shin Bet’), a polícia e os serviços prisionais; as fabricantes de armas Israel Aerospace Industries e Rafael; e agências governamentais relacionadas ao empreendimento ilegal de assentamentos de Israel na Cisjordânia ocupada.”
O relatório de Albanese menciona o Projeto Nimbus e nos informa que ele é financiado principalmente pelo Ministério da Defesa israelense. Em seguida, seu relatório se aprofunda:
“A Microsoft, a Alphabet e a Amazon concedem acesso a praticamente todos os ramos do governo de Israel às suas tecnologias de nuvem e inteligência artificial, melhorando o processamento de dados, a tomada de decisões e as capacidades de vigilância e análise. Em outubro de 2023, quando a nuvem militar interna israelense ficou sobrecarregada, a Microsoft, com sua plataforma Azure, e o consórcio Projeto Nimbus entraram em cena com infraestrutura crítica de nuvem e inteligência artificial. Seus servidores localizados em Israel garantem a soberania dos dados e um escudo contra a responsabilização criminal, sob contratos favoráveis que oferecem restrições ou supervisão mínimas. Em julho de 2024, um coronel israelense descreveu a tecnologia em nuvem como uma arma em todos os sentidos da palavra, citando essas empresas.”
É claro que essas empresas de tecnologia não apenas fornecem informações para a ocupação e o genocídio israelenses, mas também fornecem um “escudo contra a responsabilização”, uma vez que protegem informações importantes que poderiam ser utilizadas em um tribunal internacional de crimes de guerra. Albanese referiu-se à coronel Racheli Dembinsky, comandante do Centro de Computação e Sistemas de Informação de Israel, que fornece processamento de dados para as forças armadas israelenses. Em uma conferência chamada IT for IDF (Tecnologia da Informação para as Forças de Defesa de Israel) em Rishon Lezion, perto de Tel Aviv, a coronel Dembinsky disse que o exército de Israel contava com os serviços de armazenamento em nuvem e inteligência artificial dessas gigantes multinacionais de tecnologia (que, em seus slides da palestra, são Amazon Web Services, Google Cloud e Microsoft Azure). A coronel Dembinsky afirmou que sua unidade do exército – conhecida como Mamram – usava uma “nuvem operacional” em seus servidores internos que, segundo ela, é uma “plataforma de armas”. Não há informações públicas sobre o valor total que essas empresas lucraram com o genocídio.
Em 2024, funcionários da Amazon e do Google criaram a campanha No Tech for Apartheid (Sem Tecnologia para o Apartheid). Em um evento em Nova York, enquanto Barak Regev, da Google Israel, discursava, um funcionário do Google o interrompeu e disse: “Sou engenheiro de software do Google Cloud e me recuso a construir tecnologia que alimenta genocídio, apartheid ou vigilância”. Dezenas de engenheiros do Google foram demitidos por sua associação com a campanha No Tech for Apartheid. Isso não impediu o grupo de organizar mais protestos.
O Cego
Em 2003, Peter Thiel e outros fundaram uma empresa de tecnologia chamada Palantir. O nome vem de O Senhor dos Anéis e se refere à bola de cristal que pode ver de longe. Thiel, um libertário profundamente conservador que acredita fundamentalmente na “civilização ocidental”, ganhou seu dinheiro no PayPal e no Facebook antes de entrar no lucrativo mundo dos contratos militares e de inteligência (o primeiro grande investidor da Palantir foi a empresa de capital de risco da Agência Central de Inteligência, In-Q-Tel). Em 2015, a Palantir começou a fazer negócios em Israel, particularmente com seu complexo militar e de inteligência, fornecendo integração de dados, análise de dados e uso de inteligência artificial. Em dezembro de 2023, durante a primeira fase do genocídio israelense, o CEO da Palantir, Alex Karp, disse à Fox Business: “Somos bem conhecidos em Israel”.
Em 12 de janeiro de 2024, a Palantir formou uma parceria com a indústria militar israelense para auxiliar no genocídio. O vice-presidente executivo da Palantir, Josh Harrish, disse na época: “Ambas as partes concordaram mutuamente em aproveitar a tecnologia avançada da Palantir para apoiar missões relacionadas à guerra”. A expressão “missões relacionadas à guerra” é direta e poderia ser descrita como genocídio, que é exatamente como o Tribunal Internacional de Justiça se referiu a ela em 26 de janeiro de 2024. O sistema TITAN da Palantir está sendo utilizado em ataques precisos, que – dado o número de vítimas civis em Gaza – têm sido precisos no assassinato de não-combatentes. Em 30 de abril de 2025, no Hill & Valley Forum, o CEO da Palantir, Karp, foi questionado sobre a morte de palestinos e respondeu que a Palantir tinha sido responsável pela morte de “principalmente terroristas, isso é verdade”. Isto não é, evidentemente, verdade, uma vez que a maioria das pessoas mortas em Gaza eram civis (seria útil consultar os dados globais sobre o número de mortos palestinos desde 2008, mantidos pelas Nações Unidas; se todos os mortos fizessem parte do Hamas e da Jihad Islâmica, então estes grupos teriam sido uma força armada ainda mais formidável). Com base nos comentários de Karp na reunião de 2024 em Tel Aviv e no Fórum Hill & Valley de 2025, o relatório de Albanese conclui que eles são “indicativos do conhecimento e da intenção do nível executivo em relação ao uso ilegal da força por Israel e à falha em impedir tais atos ou parar o envolvimento”.
À medida que surgiram notícias sobre a associação da Palantir com a deportação de migrantes dos EUA, protestos se espalharam por todo o país nos escritórios da empresa. Esses protestos ligam o trabalho genocida da Palantir contra os palestinos e a colaboração com o Estado norte-americano para deportar migrantes.
Lucrando com a ocupação
Há décadas, investigadores das Nações Unidas e de outros grupos (incluindo organizações palestinas) documentam a forma como as empresas têm lucrado com a ocupação israelense da Palestina. De acordo com uma estimativa conservadora da UNCTAD, Israel gera 41 bilhões de dólares anualmente com a exploração direta da Cisjordânia (cerca de 7% do PIB israelense). Isso sem levar em conta outros benefícios indiretos que emanam do fato do estado israelense ter uma população cativa para explorar.
Em 2020, as Nações Unidas publicaram um banco de dados de empresas que lucravam com a atividade ilegal de assentamentos na Cisjordânia. A maioria das empresas do banco de dados tinha sede em Israel, mas muitas eram multinacionais. Entre as mais conhecidas estavam a Airbnb (Estados Unidos), a Booking.com (Países Baixos), a Expedia (Estados Unidos), a TripAdvisor (Estados Unidos), a General Mills (Estados Unidos) e a Motorola (Estados Unidos). O site WhoProfits, por sua vez, não só possui um banco de dados preciso das empresas envolvidas na exploração do genocídio e da ocupação, como também produz relatórios importantes sobre áreas específicas de atividade – como seu relatório de 2024 sobre Greenwashing Dispossession: The Israeli Renewable Energy Industry and the Exploitation of Occupied Natural Resources (Greenwashing: A Indústria Israelense de Energia Renovável e a Exploração dos Recursos Naturais Ocupados). O relatório da coalizão Don’t Buy Into Occupation, de dezembro de 2023, lista empresas financeiras europeias e seus tentáculos lucrativos dentro do projeto ilegal de assentamentos israelenses.
Em 10 de junho de 2025, as organizações Global Legal Action Network (GLAN), Sadaka Ireland e al-Haq (Palestina) entraram com uma série de ações judiciais na Irlanda, no Reino Unido e nos Estados Unidos contra a Airbnb por suas operações no Território Palestino Ocupado. Em 2018, a Airbnb disse que iria “considerar o impacto que temos e agir com responsabilidade”, mas depois mudou de rumo e – como observa a GLAN – “continua listando mais de 300 acomodações para aluguel” na Cisjordânia. Essas três organizações argumentam que um dos crimes aqui é a “lavagem de dinheiro pela Airbnb proveniente de crimes de guerra israelenses”. Estas são acusações graves, especialmente na Irlanda e no Reino Unido, que têm uma legislação rigorosa contra a lavagem de dinheiro. O advogado sênior da GLAN, Gerry Liston, disse: “Estes são os primeiros casos em que a legislação contra a lavagem de dinheiro é aplicada no Reino Unido e em outros lugares a atividades comerciais nos assentamentos ilegais israelenses. Eles demonstram que os executivos seniores de empresas que lucram com a ocupação israelense do território palestino correm o risco de serem processados por um crime muito grave”.
O impacto destas empresas que lucram com a ocupação não se limita aos rendimentos que geram à custa dos palestinos, mas também contribui para a apropriação de terras e a poluição ambiental. Um exemplo é a empresa agroquímica Geshuri, que afeta as comunidades palestinas em Tulkarem e leva a taxas mais elevadas de câncer, asma e anomalias oculares e respiratórias. Este exemplo não é, infelizmente, único na Cisjordânia, uma vez que as empresas israelenses lucram com práticas extrativas e poluentes em toda a região.
Ter uma população cativa e sem direitos para fazer experiências provou ser um recurso valioso para o desenvolvimento de tecnologias de espionagem intrusivas. Um exemplo claro é o spyware (software espião) Pegasus, que foi desenvolvido em estreita cooperação entre a infame unidade de inteligência 8200 do exército israelense, a academia israelense e capital privado. Este spyware foi usado por governos repressivos em todo o mundo para reprimir dissidentes, com mais de 50 mil pessoas visadas.
De acordo com o movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), em 2020, as empresas cibernéticas israelenses receberam aproximadamente 31% do investimento global no setor. As aquisições de empresas cibernéticas israelenses geraram cerca de 4,7 bilhões de dólares, e as suas exportações ficaram em 6,85 bilhões de dólares. Israel tornou-se líder no mercado de spyware e vigilância, fornecendo expertise em coleta e processamento de dados, incluindo espionagem, reconhecimento facial, “ferramentas de rastreamento de usuários” usadas para policiamento, manipulação eleitoral e muito mais”.
Genocide Gentry
O foco nos executivos seniores é notável. Um novo projeto, Genocide Gentry, concentra-se diretamente nos executivos seniores de fabricantes de armas (Boeing, Elbit Systems of America, General Dynamics, Lockheed Martin, Northrop Grumman e RTX – anteriormente Raytheon). Estes são os principais fornecedores de defesa do Pentágono dos EUA. O grupo – desenvolvido pela plataforma online de código aberto LittleSis – nomeia os altos dirigentes destas empresas, rastreia as suas ligações com outras empresas e, em seguida, encontra as suas ligações a instituições culturais. São estas instituições que constituem o elo mais fraco da cadeia, uma vez que não gostam de ser associadas diretamente a empresas genocidas, ainda que precisem do dinheiro.
O Genocide Gentry propõe uma estratégia simples em três etapas:
Entenda melhor a conexão da sua cidade/universidade/local de trabalho com o genocídio. O banco de dados deles ajuda a rastrear se um membro de uma empresa de armas faz parte do conselho de instituições em uma cidade.
Identifique instituições culturais e educacionais em sua comunidade com vínculos com empresas de armas.
Utilize os perfis dos membros de conselho e doadores para exemplos específicos de como as instituições locais estão ligadas à máquina de guerra.
Aqui está um exemplo interessante: Kathy Warden é CEO da Northrop Grumman e membro do conselho de administração da Catalyst, uma organização global sem fins lucrativos que ajuda a construir locais de trabalho que “funcionam para as mulheres”. A ONU Mulheres estima que pelo menos 28 mil mulheres e meninas foram mortas em Gaza por armas – algumas delas da Northrop Grumman –, e a ONU Mulheres alerta que um milhão de mulheres e meninas estão enfrentando a fome em Gaza devido à máquina de guerra alimentada pela Northrop Grumman. Lá se vai o “imagem” da Catalyst como uma empresa defensora das mulheres.
Esta estratégia tem tido algum sucesso. No início de 2024, ativistas começaram a pressionar músicos que estavam escalados para tocar no festival South by Southwest SXSW, em Austin, Texas. Em março, Ella Williams (que toca como Squirrel Flower) anunciou que não iria ao SXSW porque o evento era patrocinado por fabricantes de armas. No seu Instagram, ela escreveu: “O SXSW está dando espaço para empresas de defesa, incluindo subsidiárias da Raytheon, bem como o Exército dos EUA, um dos principais patrocinadores do festival… Lucradores do genocídio como a Raytheon fornecem armas para as Forças de Defesa de Israel, pagas com nossos impostos. Um festival de música não deve incluir os que lucram da guerra. Recuso-me a ser cúmplice disso e retiro minha arte e meu trabalho em protesto”. Outros 79 artistas decidiram boicotar o festival. Em junho de 2024, o SXSW disse que cortaria seus laços com o Exército dos EUA e com a Raytheon (RTX).
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O que fica evidente à medida que o genocídio continua é que há interesse dos grandes investidores em proteger seus lucros resultantes da ocupação contínua da Palestina. A situação é sombria e feia, mas agora há evidências suficientes – como o relatório de Albanese – da miséria da ocupação sionista da Palestina e do tratamento dado aos palestinos. Há também muitas evidências incontestáveis que revelam como as corporações e suas tecnologias têm sido usadas para reprimir os palestinos e como continuam encontrando maneiras de serem usadas globalmente. Essas evidências devem ser levadas adiante, seja por órgãos internacionais, tribunais ou pela opinião pública. O silêncio não é uma opção.
Não seremos livres até que todos sejam livres.
Ubai al-Aboudi é diretor do Centro Bisan para Pesquisa e Desenvolvimento (Ramala, Palestina). Vijay Prashad é um historiador indiano, editor e jornalista. É redator e correspondente principal do Globetrotter. Também é editor da LeftWord Books e diretor do Tricontinental: Institute for Social Research. Escreveu mais de vinte livros, incluindo The Darker Nations e The Poorer Nations. Seus últimos livros lançados foram Struggle Makes Us Human: Learning from Movements for Socialism e (com Noam Chomsky) The Withdrawal: Iraq, Libya, Afghanistan, and the Fragility of U.S. Power.
Este artigo foi produzido por Globetrotter e No Cold War.
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